Impactos socioambientais das mudanças climáticas no litoral paulista

Por Fernanda Vasconcelos
19/03/2010

Um grupo de cientistas da Unicamp está estudando as consequências das mudanças climáticas no litoral de São Paulo. Iniciado em 2009 e com duração prevista de quatro anos, o projeto “Crescimento urbano, vulnerabilidade e adaptação: dimensões sociais e ecológicas das mudanças climáticas no litoral de São Paulo” se desenvolve enquanto diversos empreendimentos de grande porte continuam sendo implementados ou planejados para a região.

Entre os temas abordados pelo estudo estão as questões espaciais e demográficas que irão condicionar a adaptação das populações costeiras às mudanças climáticas, os conflitos sociais em relação ao uso de recursos naturais, a atuação de governantes locais e regionais e os impactos na biodiversidade. A equipe do projeto é formada por cientistas de diversas áreas, entre eles demógrafos, cientistas sociais, biólogos e ecólogos. São pesquisadores e alunos do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) e do Núcleo de Estudos de População (Nepo), ambos da Unicamp, além de colaboradores de outras instituições, sob a coordenação geral de Daniel Hogan, pesquisador do Nepo e do Nepam.

Os cientistas dos dois núcleos de pesquisa têm anos de experiência em estudos na região do litoral paulista. “Mas, na área de mudanças ambientais globais, é a primeira grande pesquisa empírica que nós vamos fazer”, conta a pesquisadora Leila da Costa Ferreira, do Nepam. O estudo é parte do Programa Fapesp de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais, que reúne outros nove projetos. “Somos dez grandes grupos de pesquisa analisando a questão das mudanças climáticas. Isso não é fácil em qualquer lugar do mundo. Do ponto de vista da política científica, institucional, vai ser um impacto muito grande”, avalia Leila Ferreira, que coordena o componente do projeto responsável pelo estudo das políticas públicas relacionadas às mudanças ambientais globais.

Quinze municípios do litoral de São Paulo, além de Cubatão, estão sendo estudados pela equipe da Unicamp. A região de Caraguatatuba concentrará boa parte das pesquisas, porque é para ela que estão sendo planejados empreendimentos como o Centro Integrado de Tratamento de Resíduos Sólidos, a Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba, o Gasoduto Caraguatatuba-Taubaté, a ampliação do porto de São Sebastião e a duplicação da rodovia Tamoios.

“O impacto dessas grandes obras, em termos de opinião pública, dos moradores locais, é impressionante”, conta Lúcia da Costa Ferreira, do Nepam, coordenadora da equipe que analisará questões ligadas aos conflitos entre expansão urbana e cobertura florestal. Para a pesquisadora, as populações de Caraguatatuba, Ubatuba e São Sebastião têm consciência da dimensão dos empreendimentos, ainda que não haja consenso sobre seus impactos. Entre as preocupações está a possibilidade de perda da vocação turística da região, principalmente em Caraguatatuba. “Por isso, o projeto foi muito bem-vindo. Não estamos levando a eles um tema. Estamos compartilhando um tema que pra eles é premente”, argumenta Lúcia Ferreira. Ela lembra que a região tem uma longa trajetória de mobilização política.

O pesquisador Roberto do Carmo, do Nepo, membro da equipe voltada ao estudo de questões demográficas, aponta outro aspecto da análise de impacto dos empreendimentos, relacionado ao potencial de geração de empregos. Carmo lembra que as obras de construção civil absorvem grande quantidade de mão de obra não-qualificada, que acaba como excedente. “É uma situação bastante complexa e que temos visto com frequência no Brasil. As pessoas chegam, se instalam, trabalham e, quando acaba aquela construção, não conseguem uma inserção mais definitiva. Isso gera uma série de dificuldades para as pessoas e para a cidade, que muitas vezes não consegue se estruturar pra recebê-las”, argumenta Carmo.

De acordo com o projeto, os investimentos em infra-estrutura ligados à extração e transporte de petróleo e gás vão condicionar as medidas de mitigação, as vulnerabilidades socioambientais e ecológicas e as respostas adaptativas às mudanças climáticas. Mitigação, vulnerabilidade e adaptação, além dos ricos, são conceitos que permeiam as discussões sobre o tema, como explica Carmo. O pesquisador aponta que a mitigação esteve em evidência na cobertura da Conferência do Clima (COP-15), com a discussão do que fazer em relação às emissões CO2 frente ao aquecimento global. “É um tipo de discussão importante, mas no qual a questão da organização do sistema produtivo acaba se sobressaindo sobre os outros elementos que talvez sejam mais importantes, relacionados com a dinâmica social: riscos, vulnerabilidade e adaptação”, explica Carmo. “É importante pensar na mitigação, mas isso não leva em conta que já existe uma situação hoje em que esses eventos extremos e outros fenômenos, como os riscos decorrentes da elevação do nível do mar, por exemplo, já estão tendo impacto sobre a população”, completa o pesquisador.

É importante identificar as situações de risco e os grupos populacionais que as vivenciam, a vulnerabilidade desses grupos e os recursos que podem mobilizar para enfrentá-los. “É preciso começar a pensar também em adaptação; em como a sociedade, os grupos sociais, os indivíduos vão se adaptar a essa nova realidade; em qual conjunto de políticas públicas vai ser importante pra que esses grupos sociais possam se adaptar”, defende Carmo.

O estudo da Unicamp vai definir áreas prioritárias para a análise da vulnerabilidade, que Carmo lembra estar relacionada não só à exposição aos riscos, mas à capacidade de resposta a eles. “Não é só a questão da elevação do nível do mar, mas é como as pessoas ou grupos sociais estão organizados ou que tipo de ativos sociais e econômicos possuem para enfrentar esses riscos. Pode ser que populações expostas aos mesmos riscos, com a mesma condição econômica, venham a ser mais ou menos vulneráveis em decorrência dos ativos não só econômicos, mas de acesso a políticas públicas, organização social”, argumenta o pesquisador.

Para Leila Ferreira, a questão das mudanças climáticas globais tem diferentes dimensões e, nesse contexto, as ciências do clima têm tido um avanço maior do que as áreas voltadas às dimensões humanas. “Quando se analisa isso internacionalmente, é gritante. Não só do ponto de vista do número de cientistas na área das ciências do clima e na das dimensões humanas, mas em termos de verba”, argumenta a pesquisadora, que defende a integração entre as ciências naturais e as sociais na análise do tema. “O que pretendemos fazer é pensar as dimensões humanas do ponto de vista dos conflitos sociais, das políticas públicas, da dinâmica demográfica e da biodiversidade. Pensar mudanças climáticas nas suas diferentes dimensões, focando as dimensões humanas”, argumenta Leila Ferreira.

Lúcia Ferreira, do Nepam, afirma que tanto as ciências ecológicas quanto as sociais possuem dimensões próprias, mas há, entre elas, a região de interface dos sistemas socioecológicos. “É sobre isso que nós vamos falar. Há uma interface, que a gente costuma chamar de lugar do uso de recursos, que não pode ser olhada só sob o ponto de vista da sociedade ou sob o ponto de vista dos sistemas biológicos. Uso de recursos é o nosso diferencial”, defende.

A equipe do projeto trabalha com a perspectiva de que as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estão, de maneira geral, corretas. Para Carlos Alfredo Joly, pesquisador do Instituto de Biologia da Unicamp e do Nepam, a queda de credibilidade do IPCC é, em parte, resultado de interesses econômicos. “Como em todos os trabalhos de síntese em que se usa uma base muito ampla, pode-se ter erros, mas são pontuais. No geral, eles são altamente confiáveis e as diretrizes, as grandes conclusões, têm base científica para suportar”, avalia o pesquisador. Joly coordena a equipe que analisará impactos na biodiversidade.

Ele lembra que não há dados históricos para a região que permitam avaliar se as mudanças estão acontecendo. Sistemas de medida estão sendo implantados em um momento em que essas alterações podem já estar ocorrendo. Para Joly, antes que inundações de áreas costeiras sejam percebidas, serão notadas alterações no sistema de saneamento. Com mudanças no nível do mar e na pressão da coluna de água, é provável que alguns dos emissários submarinos que hoje jogam esgoto a alguns quilômetros da costa passem por um processo de reversão. Há, ainda, a possibilidade de salinização de pontos de captação de água para as cidades.

Para a equipe do projeto, as incertezas em relação às mudanças climáticas fazem parte da pesquisa em geral. “Nenhum tema científico, intelectual, no meu ponto de vista, não tem o campo da incerteza, da dúvida”, defende Leila Ferreira, do Nepam. “É um tema polêmico, controverso, mas como qualquer outro tema da ciência. Quanto mais pesquisa a gente fizer e quanto mais estudos desenvolver, melhor e maior será a polêmica”, completa a pesquisadora.

0 comentários:

Postar um comentário

Fundação Florestal

Seguidores

CO² no ar

Fases da lua

CURRENT MOON

Google Earth

Salva Mar Paulista