Caiçaras em Maresias

Os caiçaras dentro do contexto social e cultural do Litoral Norte Luciane Teixeira

São Sebastião

Sobreviventes de uma cultura transformada, os caiçaras são caracterizados por comunidades pescadoras, tradicionais, auto-suficientes e dotadas de um precioso conhecimento sobre o mar, a mata, o rio e o mangue. O papel transformador das novas tecnologias da época (o barco a motor e da pesca embarcada para as comunidades caiçaras), foi o primeiro passo para o abandono da atividade de pesca e agrícola.

Foto: Bruno Rocha
O casal Jaime e Arlete Moura fazem Bodas de Diamante, em agosto deste ano

Dentro do contexto histórico no Litoral Norte, a abertura da Rio-Santos (SP-55) e a chegada dos migrantes e o turismo reduziu a expressão da riqueza cultural das populações caiçaras.

Numa breve passagem pelo bairro de Maresias a procura dos caiçaras mais antigos, descobrimos histórias fragmentadas de alguns referenciais. O bairro de Maresias, hoje, segundo dados do IBGE, tem mais de cinco mil famílias. Vindas de outros estados, elas representam maior montante. O cadastro dos ecoagentes começou em janeiro no bairro, mas a prefeitura ainda deve tabular o perfil completo desses moradores.
Seu Jaime Jordão de Moura, de 79 anos, é um deles. Nasceu no bairro Canto do Moreira e lembra do nome da parteira, que trazia as crianças do século passado ao mundo: Gertrudes faz parte da história desses primeiros moradores da costa sul de São Sebastião.

Atualmente com oito filhos, 12 netos e dois bisnetos, seu Jaime, como é conhecido em Maresias, começou a trabalhar cedo. “Comecei a trabalhar dos 8 em diante na plantação de mandioca. Depois veio o arroz, a banana e era tudo para consumir em família”, explica. De fato, o gênero de vida caiçara combinava a agricultura de subsistência, baseada na mandioca, com a pesca. Segundo ele, apenas dez famílias estavam instaladas naquelas “bandas” e o pai dele, Jordão Manuel de Moura, que morreu há 16 anos, tinha um rancho onde colocava as canoas. Hoje, o mesmo espaço dá lugar a um restaurante a beira mar.

O pai do seu Jaime fazia canoas grandes com o tronco da árvore Guapuruvú, que atualmente é protegida por lei, mas naquela época podia ser retirada da mata. Além das embarcações maiores, ele também produzia artesanato de canoas pequenas e os artefatos, que serviam para uso culinário como o pilão para moer os alimentos (milho, arroz e café). “Ele também fazia as gamelas. Ele tirava raízes de madeira alta para fazer a gamela”, disse rindo seu Jaime. Ele explicou que Gamela é uma bacia feita de madeira e as pessoas usavam para tomar banho.

A vida simples em seus elementos culturais e a economia de subsistência, parece representar uma estagnação, que é quebrada com a chegada do carro de boi e do barco a motor. “O carro de boi trazia muita coisa que era plantado longe. Era uma boa época, mas as famílias partiram para Santos”. Com a chegada do barco, seu Jaime conta que levavam as bananas cortadas para o saco da costeira – uma prainha que fica a uns 30 metros da praia de Maresias. “Toda sexta o mar tava ruim (referência a maré forte e alta), então a gente embarcava as bananas de lá do saco da costeira pra Santos”.

Seu Jaime ficou, mas ainda tem saudade daqueles tempos, que resultava num aproveitamento quase exclusivo dos recursos do meio, mas num período já alterado de ocupação da costa.


“A festa caiçara era regada a muito café, açucar e biscoito”

Seu Jaime agora divide o tempo entre a pescaria e o casamento, que completa bodas de Diamante, ou seja, 60 anos de casamento, em 26 de agosto deste ano. A esposa, Arlete Nascimento de Moura, de 73 anos, lembra das festas de antigamente. “Nas festas todo mundo se conhecia. Dançávamos a “chamarita”, uma marcha em círculo e nos bailes tinha cantiga a moda de viola”, disse dona Arlete.

“Ah! Naquela época tinha muita folia de igreja”, interrompe seu Jaime, em relação a tradicional Folia de Reis. “Eram duas violas, um tambor e um violino”, lembra.

“O pessoal levava a noite toda na função (como chamavam as festas antigamente) na casa de um. Na época do meu pai, eles faziam um arrasta pé usando tamancos para bater o pé”, revela a esposa. Segundo ela, eram as mulheres que tiravam os homens para dançar. Um lenço direcionado à luz indicava quem seria o alvo. “Também tinha a dança da vassoura para a troca de par. Mas as mulheres só saíam de casa se os homens pedissem autorização dos pais para as damas serem convidadas”, lembra Arlete.

A festa, segundo ela, era regada a muito café, açúcar e biscoito.
No Carnaval, as ruas de areia serviam para o desfile de cavalos e bois feitos de madeira com olhos de vidro. “A fantasia era uma roupa velha, remendada, com chapéu de corda e papel colorido, encomendado que vinha de Santos”, lembra dona Arlete.

“Naquele tempo a gente tinha dois blocos o da “Vassoura” (para lembrar os tempos do Jânio) e o das dengosas, que eu não me lembro de onde vinha o nome”, complementa o caiçara.
A memória de dona Arlete confirma o processo de miscigenação genética e cultural do colonizador português com o indígena do litoral, ocorrida nas quatro primeiras décadas. Dali, saíram os mamelucos que rapidamente se multiplicaram. “A chegada do negro africano, como escravo, pouco contribuiu nesta primeira fase. Entretanto, sua incorporação à ordem social e econômica acabou gerando, posteriormente, um contingente mestiço de índios, brancos e negros, que viria a constituir o povo brasileiro” (Ribeiro, 1987).

Segundo consta, essa população mestiça foi aos poucos se espalhando pelo território, estabelecendo variantes sócio-culturais, que era chamada de cultura rústica brasileira. Neste contexto, a cultura caipira formou-se pelo cruzamento do português com o indígena e produziu o mameluco paulista, na qual o caiçara está inserido.


Dona Antônia do biju

A mãe de seu Jaime, Antônia Maria de Moura, conhecida como dona Antoninha, fazia encomendas de biju. “Tinha gente na fila para pegar biju”, disse seu Jaime. Segundo consta, eles usavam um fuso – uma máquina artesanal, que servia para prensar os tapiti (cestas onde ficavam a massa da mandioca). Eram de cinco a seis tapitis cheios de mandioca. Depois de prensada, o caldo caía sob uma calha, que se transformava no polvilho de onde saíam os bijus de dona Antoninha.


A máquina artesanal onde as mandiocas eram prensadas antes de fazer o biju

Memória Caiçara
O termo caiçara tem origem no vocábulo Tupi-Guarani caá-içara, que era utilizado para denominar as estacas colocadas em torno das tabas ou aldeias, e o curral feito de galhos de árvores fincados na água para cercar o peixe. Com o passar do tempo, passou a ser o nome dado às palhoças construídas nas praias para abrigar as canoas e os apetrechos dos pescadores e, mais tarde, para identificar o morador.

Ditados
“ Lua nova trovejada, 30 dias de molhada” (a lua nova marcava o tempo bom);
“Vento leste não mata a mãe de sede” ( o vento quente chamava a chuva);

Cantiga
Uma porta e uma janela, sem parede e sem telhado;
Quando eu chego perto dela, quando eu chego perto dela, canto samba e canto fado;
Eu canto fado, de cuíca e de pandeiro, canto samba de guitarra, que incomoda o mundo inteiro;
Agora vamos dançar todos de uma vez, tico-tico, sarapico, essa marcha é português;
Agora vamos dançar todos de uma vez, tico-tico, sarapico, essa marcha é português.

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